TEIXEIRA DE FREITAS-BAHIA

SAUDAÇÕES

"Toda força será fraca, se não estiver unida."
(Jean de La Fontaine)

AS ATRIBUIÇÕES DA GUARDA MUNICIPAL SEGUNDO A CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988

O artigo 144 da Constituição Federal de 1988 (CF/88) estabelece que “a segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio...”. Mais adiante em seu parágrafo 8º especifica que “os Municípios poderão constituir guardas municipais destinadas à proteção de seus bens, serviços e instalações, conforme dispuser a lei”. Em função da interpretação gramatical do texto, muitas vozes têm se levantado contra as guardas municipais. E assim o fazem por entender que a CF/88 relegou as guardas municipais a simples e mera atividade de vigilância patrimonial: não pode fiscalizar e controlar trânsito, não pode usar armas, não pode atuar na preservação da ordem pública nem tampouco realizar policiamento ostensivo. Alguns até, de forma tosca, afirmam que “a Guarda Municipal só pode fazer vigilância patrimonial”, demonstram certa precipitação, porque não é este o teor do texto constitucional. 


PODER DE POLÍCIA


Antes de falarmos sobre Guarda Municipal precisamos primeiro entender o significado de Poder de Polícia desprovido de quaisquer adjetivos (civil, militar, judiciária, sanitária, legislativa, etc). O artigo 78 do Código Tributário Nacional nos oferece um conceito exato, quando estabelece que “considera-se poder de polícia a atividade pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à higiene, a ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranqüilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos”. Quando o artigo 144 da CF/88 fala em “dever do Estado”, o legislador quis dizer unidades federativas, isto é, União, Estados, Municípios e Distrito Federal. Dentro deste contexto de dever constitucional atribuído aos municípios, suas Guardas Municipais, lato sensu, equiparam-se aos demais órgãos constitucionais de segurança pública, porque estão inseridas no capítulo constitucional específico para a Segurança Pública, com ênfase para a PROTEÇÃO de seus BENS, SERVIÇOS e INSTALAÇÕES. Vejamos o significado e o alcance de cada um dos elementos da dicção desta norma constitucional.

PROTEÇÃO


PROTEÇÃO, é palavra que, segundo a etimologia, vem do latim, “protegere”, que quer dizer, cobrir pela frente. Este verbo traduz ainda outras ações tais como, defender, auxiliar, socorrer, apoiar, preservar, fornecer, guardar. Segundo a doutrina mais recomendada, consiste no conjunto de providências contra dano ou prejuízo. Em outras palavras, proteger é dar segurança. A forma primária de proteção está na PREVENÇÃO. Prevenir é evitar a ocorrência do mau, seja por se antecipar a ele, seja por criar um ambiente desfavorável para que ele aconteça. A prevenção pode se desdobrar em primária, secundária ou terciária. Do ponto de vista da Administração Pública, nos interessam a prevenção primária e a prevenção secundária. A prevenção primária consiste na prestação de serviços públicos sociais e ações comunitárias para gerar um ambiente social favorável. A prevenção secundária consiste no exercício do poder de polícia para restringir ou limitar as liberdades individuais em favor do bem coletivo e do interesse público. Sendo órgão do Município constitucionalmente dotado de poder de polícia, a Guarda Municipal deve contribuir no conjunto da prevenção primária. Quanto a prevenção secundária, a Guarda Municipal vai executa-la em dois momentos. Em primeiro lugar, através de ações de vigilância constante, circulando, exibindo sua presença de forma bastante ostensivamente, como forma de coibir, de inibir, de desencorajar eventual infrator. Em segundo lugar, desenvolvendo ações de controle e fiscalização sobre determinados SERVIÇOS PÚBLICOS contratados, concedidos, permitidos, cedidos, etc: segurança, higiene, ordem pública, costumes, diversões, lazer público, atividades econômicas dependentes de autorização do Poder Público, etc.

O ALCANCE DA PROTEÇÃO


Nos moldes acima mencionados, a proteção constitucional à cargo das Guardas Municipais deve recair sobre tudo aquilo que gravita em torno de BENS, INSTALAÇÕES E SERVIÇOS, do ponto de vista objetivo e subjetivo. Isto quer dizer que A PROTEÇÃO DEVE ALCANÇAR QUEM DÁ, QUEM MANTÉM E QUEM RECEBE OS SERVIÇOS, BENS E INSTALAÇÕES. A Guarda Municipal deve proteger não só os serviços propriamente ditos (prevenir e reprimir qualquer ato ou fato que possa prejudicar, danificar ou impedir), bem como, proteger a incolumidade do servidor público, que opera os bens, instalações e serviços, e a incolumidade do usuário desses serviços. Damos um exemplo simples: um grupo de baderneiros entra numa praça pública e passam a importunar as pessoas; logo depois, resolvem pegar uma jovem e estuprá-la. Vejamos então: de acordo com a “tese proibitiva”, se houvesse um guarda municipal no local, ele não poderia fazer nada, porque simplesmente não houve qualquer prejuízo ao bem público; portanto, ele deveria simplesmente assistir ao grupo de baderneiros importunando as pessoas, e, passivamente assistir ao estupro de uma jovem, simplesmente porque, segundo “acham” que a Guarda Municipal “é somente para vigilância patrimonial”. Considerando que as instituições policiais estaduais não têm condições nem capacidade de se fazerem presentes em todos os lugares, ao mesmo tempo, seria incrivelmente ridículo imaginar que esse Guarda Municipal tivesse que ligar para uma ou outra instituição para saber se poderia prender os baderneiros por contravenção de importunação ao pudor e estupro, porque tal atividade é exclusiva desta ou daquela instituição.

O CONCEITO DE BENS PÚBLICOS, SERVIÇOS PÚBLICOS E INSTALAÇÕES PÚBLICAS


Os conceitos de bens, serviços e instalações, são conceitos bem primários para quem é da área do Direito. BENS PÚBLICOS são todas as coisas, físicas ou não, que tem valor ou importância jurídica; imóveis, móveis e semoventes, créditos, direitos e ações, que, de qualquer forma pertençam ao município. Neste universo se inserem as INSTALAÇÕES públicas, que constituem o patrimônio físico da municipalidade. Os bens podem ser de uso comum do povo (calçadas, ruas, praças, rios, estradas, etc), bens dominiais (bens públicos disponíveis) e os bens de uso especial (bens públicos aplicados a serviço ou estabelecimento de instituições públicas). Portanto, para proteger as ruas e seus usuários, a Guarda Municipal deve se fazer presente, dia e noite, seja realizando rondas escolares, seja controlando, fiscalizando e atuando amplamente no trânsito, nos exatos termos estabelecidos nos artigos 21 e 24 do Código de Trânsito Brasileiro. Pode até conveniar para que algum órgão, público ou privado, possa suprir momentaneamente a insuficiência do município para prestação destes serviços. Entretanto, estando devidamente capacitada e aparelhada, a Guarda Municipal, pode e deve assumir o trânsito no âmbito municipal. SERVIÇO PÚBLICO é todo aquele que a Administração Pública presta de forma, direta ou indireta. A forma direta são aqueles serviços prestados pelas Secretarias Municipais. As formas indiretas mais conhecidas são a concessão, a permissão e a autorização. Podemos exemplificar a extensão do que seja serviço público do município, citando alguns serviços prestados apenas pela Secretaria de Promoção Social: assistência ao menor, à criança, à família; casa de passagem; núcleo de atendimento à família e programa de atendimento integral à família; núcleo integrado de atendimento à mulher, etc. Todas essas atividades, por serem serviços públicos, se enquadram no campo de proteção da Guarda Municipal. Aliás, como dissemos acima, não só esses serviços, mas também, seus prestadores e beneficiários são abrangidos pela proteção constitucional deferida às Guardas Municipais. Isso significa que a Guarda Municipal pode e deve atuar para PREVENIR E REPRIMIR as infrações penais e seus autores, que venham atentar contra os prestadores e os beneficiários destes serviços. Nesse sentido a dicção do artigo 301 do Código de Processo Penal não deixa dúvidas: “qualquer do povo poderá e as autoridades policiais e seus agentes deverão prender quem quer que seja encontrado em flagrante delito”. Ora, se “qualquer um do povo pode”, por que motivo a Guarda Municipal não pode efetuar prisões? Pode e deve efetuar prisões dos criminosos que cometam quaisquer crimes que atentam diretamente contra as várias formas de BENS, INSTALAÇÕES E SERVIÇOS PÚBLICOS, bem como, contra os servidores públicos e os usuários desses serviços.

ARMAMENTO IDEAL PARA A GUARDA MUNICIPAL


Não é conveniente ao interesse público, nem é intenção da Secretaria de Ordem Pública que a nossa Guarda Municipal use armamento letal (arma de fogo). O mesmo não se diz quanto ao uso de ARMAMENTO NÃO LETAL. Aliás, pra quem não sabe, incentivar o uso de armamentos não letais, (spray de pimenta, munição de borracha, taser, etc), tem sido a última e mais recente cobrança da ONU aos organismos policiais de todas as nações. Além de não estar abrangido pela legislação mencionada, ninguém mais discute a eficiência do uso da TASER, cada vez mais adotada pela maioria das instituições policiais do mundo, bastando, para tanto, capacitar, treinar o efetivo e obter autorização da Polícia Federal, por se tratar de equipamento importado. TASER não é “arma letal”, nem tampouco, “arma de choque”. Sobre TASER, visite http://www.abilitybr.com.br/armas/default.htm.

A ATUAÇÃO NA MANUTENÇÃO E PRESERVAÇÃO DA ORDEM PÚBLICA


Muitas vozes cultas e ilustres, têm defendido a tese de que a Guarda Municipal não pode atuar no campo da preservação/manutenção da ordem pública porque esta seria uma competência “exclusiva” deste ou daquele órgão de polícia. Ousamos divergir em bom termo. É necessário remontar aqui, ainda que suscintamente, as origens do termo ordem pública. Segundo autores renomados, a ordem publica pode ser encontrada desde o Direito Romano, onde o seu conteúdo correspondia ao conceito de “mores”. A ordem social era fundada no “mores populi romani”, cuja concepção era mais próxima aos costumes do que à lei. Havia até um agente público para controlá-la, o censor, que detinha poder de repressão na modalidade de repreensão pública, denominada “nota censoria”. De lá pra cá, a partir do século XIX até os nossos dias, com a criação do Estado, e com ele, o dever de prestação de bem-estar social, a Ordem Pública passa ter um conceito maior, servindo como mecanismo para aumentar o papel interventivo do Estado nos vários campos da atividade social. Visto isso, devemos considerar que a locução ESTADO que aparece no artigo 144 da CF/88, não se confunde com os Estados Federativos. A locução “estado” tem significado de TODAS AS UNIDADES FEDERATIVAS. Desta forma, fica claro que os Municípios detém o mesmo poder-dever de preservação da ORDEM PÚBLICA que os demais entes federativos. Anote-se aqui, que é da essência do pacto federativo que os seus componentes sejam INDEPENDENTES E HARMÔMICOS entre si. Mesmo porque, o legislador não carimbou o artigo 144 da CF/88 como regra de competência exclusiva ou privativa deste ou daquele ente federativo. E quando assim o faz, é porque a intenção é que esta regra seja exercida por todos. Portanto, preservação da ordem pública não é, nem nunca foi competência exclusiva deste ou daquele órgão de polícia, mas sim, é dever-poder de todos os Entes que formam a República Federativa do Brasil, quais sejam, a União, os Estados, os Municípios e o Distrito Federal. Entendido assim, juridicamente não há qualquer impedimento para que as Guardas Municipais Brasileiras atuem na preservação da Ordem Pública, seja porque não há impedimento constitucional, seja porque o somatório dos bens, serviços e instalações Municipais conjugados, resultam em Ordem Pública.


Autor: Dr. Roldenyr Cravo, Delegado de Polícia, ex-Secretário de Ordem Pública do Município de Três Rios-RJ, Delegado titular do Município de Valença-RJ, Professor de Direito Processual Ppenal da Faculdade de Direito da Fundação dom André Arco Verde, em Valença






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